Elismar Bezerra
Ao longo da história da humanidade os dominantes tentaram sempre ser vistos e tratados pelo povo como seres divinos, metafísicos, além do mundo real. Só se faziam reais através das suas ordens, editais e, quando necessário, da força bruta da repressão policial-militar e jurídica. Mesmo no florescimento do liberalismo e suas idéias na Inglaterra, se tinha presente a necessidade do governante manter-se apartado, acima e além do povo, preservando a “autoridade”, a mística de senhorio. Não era a toa que o Charles Seymour, 6º. Duque de Somerset mandava batedores na frente da sua carruagem, conforme nos diz Domenico Losurdo, “para evitar ao nobre homem o mal-estar de cruzar com pessoas e olhares plebeus”. Se vivesse hoje como homem de governo, tal qual um escorraçado Mubarack ou um desassossegado Belusconi, com os avanços das ciências e das tecnologias da comunicação, não teria como evitar, não só os olhares plebeus, mas a presença indignada dessa gente tentando fazer valer a sua vontade e seus interesses.
O avanço das organizações e do conhecimento do povo em relação ao funcionamento da sociedade e da natureza das injustiças que sofre, fez o Capital e seus dirigentes modernizarem-se para continuar dominando; exigindo das classes dominantes, seus prepostos e intelectuais, o desenvolvimento de mecanismos, estratégias e encaminhamentos para que o povo fosse mantido sob domínio. Dessa forma, a intimidade do povo com as coisas da Administração Pública, possibilitada pelas tecnologias da comunicação, incomoda porque torna governadores, deputados e outras autoridades graúdas, mais reais, tangíveis, ao alcance da indignação e, até, de um xingamento.
É nesse contexto que um fato curioso tem se desenvolvido sem que se perceba, com profundidade, a sua natureza: o processo de desqualificação da Administração Pública. Ao mesmo tempo em que empresários e representantes das elites econômicas se inserem nos processos eleitorais e se elegem aos postos de governo, a qualidade dos serviços públicos se deteriora. Essa deterioração tem sido mostrada como o resultado da incompetência dos administradores públicos, o que não deixa de ser verdadeiro, mas não é toda a verdade. A verdade é que os governantes identificados com o povo e seus movimentos estão desaparecendo e em seus lugares tem surgido essas figuras despersonalizadas, sem história, sem vínculos com o povo, dizendo-se governantes de todos. Ora, quem governa para “todos” em uma sociedade dividida em classes sociais com interesses irreconciliáveis como a nossa, governa para os poderosos e engana o povo.
As elites econômicas não tem necessidade de que os serviços públicos tenham qualidade, pois, as necessidades para o incremento ou a segurança dos seus negócios são satisfeitas nas esferas elevadas do Estado: nas cúpulas das grandes empresas estatais, nas instituições financeiras centrais, nos comitês definidores das grandes políticas econômicas, fiscais, de financiamentos, etc.; de modo que a qualidade dos serviços públicos só é importante para aos trabalhadores.
A desqualificação desses serviços afigura-se, então, como um instrumento da dominação, portanto da luta de classe. É assim que as experiências inovadoras nas áreas da Educação, Saúde, Agricultura Familiar e Cooperativismo, etc., realizadas por governos populares, que foram muito comuns e animadoras nos anos 1980, estão cada vez mais raras, senão, desaparecidas; e as iniciativas e compromissos dos governos para elevar as condições de vida e trabalho do povo, com vistas a sua emancipação, estão cada vez mais ausentes do noticiário e do debate político-eleitoral. É por isso que a qualidade, ou falta dela, nos serviços públicos, precisa ser compreendida pelos partidos e organizações dos movimentos populares como elemento da luta estratégica dos trabalhadores.
Elismar Bezerra Arruda é professor
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