A Auditora-Fiscal do Trabalho Maria Neuzeli Arantes de Oliveira, lotada na Superintendência Regional do Trabalho de Mato Grosso, hoje do Ministério da Economia, lembra neste Dia Internacionalmente da Empregada Doméstica (27/04), o resgate em 2019 de uma jovem, então com 22 anos, que prestavam serviços domésticos em condições análogas à escravidão em uma propriedade rural dos próprios tios, localizada no município de Chapada dos Guimarães (60 km de Cuiabá/MT).
A denúncia chegou à SRTb/MT por meio da coordenadora do Comitê Estadual de Prevenção e Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas (Cetrap), Dulce Regina Amorim. Entre as irregularidades encontradas pela equipe de fiscalização, jornada exaustiva, trabalho forçado, condições degradantes, informalidades, cerceamento da liberdade, agressões físicas e psicológicas e não pagamento de verbas salariais.
R.A. B. relatou à equipe de fiscalização que ela e o irmão ficaram órfãos e que em 2011 foram morar com os dias, em Chapada, onde trabalhavam de segunda a segunda, sem descanso semanal, sem direito a feriado, sem férias, sem pausas regulares. Um vizinho da propriedade percebeu os maus tratos sofridos pelo irmão e conseguiu retirá-lo de lá, porém não sabia que R.A. B. também era maltratada.
Segundo a jovem, todos os dias a tia a obrigava a colocar o despertador para as 5h10min e sua jornada somente se encerrava à noite, depois do jantar.
A trabalhadora acordava muito cedo porque era responsável por acordar os primos para ir para escola e, em seguida, servi-los com preparo do café da manhã, cuidados com os uniformes e demais cuidados que os tios julgassem necessários.
Após a saída dos primos, suas tarefas prosseguiam: limpava casa, lavava banheiro todos os dias, varria quintal e áreas da casa, fazia almoço e jantar. Nos dias em que não havia aula para os primos, também era obrigada a acordar cedo para trabalhar porque, além das tarefas de casa, também trabalhava na lavoura.
Além dos trabalhos realizados gratuitamente à família, a trabalhadora ainda prestava serviços para terceiros – fazia faxinas, lavava roupas, preparava alimentos que eram vendidos em dias de festa – cujos pagamentos eram recebidos pelos tios.
R.A. B. relatou ainda que não possuía liberdade para sair do ambiente de trabalho. Vivia sob vigilância ostensiva dos empregadores (os tios), e seus documentos pessoais como RG, CPF e CTPS ficavam sob guarda da tia. Não podia sair desacompanhada de casa, salvo algumas exceções. Sequer poderia conversar com os vizinhos. Também foi impedida pela tia de portar telefone celular (a trabalhadora narra que, além de tomar seu celular, a tia destruiu o chip que continha contatos de amigos e familiares).
“Constatamos que a trabalhadora – sem direito de escolha – era obrigada a fazer os trabalhos determinados pelos tios, sob pena de castigos inclusive físicos”, conta a Auditora-Fiscal.
A jovem também era submetida à condição degradante de trabalho, que é qualquer forma de negação ou subtração da dignidade humana pela violação dos direitos fundamentais básicos do trabalhador, notadamente os dispostos nas normas de proteção do trabalho e de segurança, higiene e saúde no trabalho.
R.A. B. trabalhava sem carteira assinada, sob a alegação de que era membro da família. Assim, os tios exploravam a mão de obra dos sobrinhos sem formalização dos vínculos trabalhistas e sem quaisquer formas de contraprestação dos serviços prestados.
E também nunca havia recebido pagamento pelos serviços realizados na propriedade dos tios e nem do vizinho, na produção de alimentos para festas.
Conforme apurado no depoimento da trabalhadora, de parentes e dos vizinhos, R.A. B. sofria constantes agressões físicas e psicológicas sintetizadas inclusive por agressões verbais com uso de palavras de baixo calão e ameaças de agressões físicas.
As agressões impostas pelos empregadores à sobrinha possuíam diversas matizes. Além da consumação das ameaças de castigos físicos, R.A. B. sofria repressões de toda sorte: não podia frequentar a escola, não participava de reuniões sociais, não possuía lazer, sequer poderia interagir com a vizinhança.
Suportava, ainda, diversas formas de discriminação dentro da família, a exemplo da alimentação. No momento de fazer as refeições, a trabalhadora não poderia comer os alimentos considerados mais gostosos porque estes eram destinados aos primos e demais familiares.
Providências
Após auditoria do local e entrevistas com os vizinhos, com trabalhadores e com empregador, considerando a verificação de elementos que demonstravam a redução da trabalhadora R.A. B. a condições análogas à de escravo, a Auditoria Fiscal do Trabalho retirou a obreira do local de moradia e trabalho (residência dos empregadores) e à conduziu à Delegacia Especializada da Mulher em Cuiabá, onde foi acompanhada e assistida por uma tia e por Dulce Regina Amorim, do Cetrap.
Foi solicitado à Caixa Econômica Federal o número de PIS da trabalhadora, preenchida a guia de seguro desemprego. No mesmo ano, ela participou de capacitação pelo Projeto Ação integrada. Também recebeu 3 parcelas de seguro desemprego e o Cetrap também a ajuda com acompanhamento psicológico, cesta básica, roupas, entre outros.
Os empregadores foram notificados a apresentar a regularização da situação trabalhista, bem como apresentar os documentos comprobatórios dos pagamentos efetuados aos trabalhadores.